top of page
Igualdade de género

Publicado a

19 de abril de 2022

As mulheres no associativismo popular (*)



Isaura Reis

Professora, ex-dirigente do SPRC, doutora em Educação, ativista cultural e dos direitos dos cidadãos, ex-Presidente da Beira Serra – Associação de Desenvolvimento Local, ex-dirigente do GIC – Grupo de Intervenção Cultural da Covilhã, ex-dirigente da Cooperativa Rádio Clube da Covilhã, galardoada com “Mulheres Notáveis da Cova da Beira” (categoria de Cidadania) em 2019/20

Há longas décadas que a cada 8 de Março se evocam as lutas travadas e se celebram os direitos conquistados por mulheres. É assim desde a grande passeata de 26 de Fevereiro de 1909 realizada por cerca de 15 mil mulheres em Nova York, desde que em Agosto de 1910, a alemã Clara Zetkin na Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas propôs a criação de uma jornada de manifestações e desde que em 1975 a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher.

Mas a luta das mulheres continua atual pese embora o conseguido pois a exploração, a alienação e a opressão persistem.

De facto, tem sido árdua a luta pelos direitos laborais, sociais e culturais, ao corpo, à determinação, à dignidade, ao voto e à plena cidadania. Durante séculos as mulheres estiveram confinadas a uma função exclusivamente doméstica, tendo sido na sua condição de proletárias que conquistaram a entrada no espaço público. Sem rendimentos, instrução e capital (fundiário ou imobiliário) não detinham cidadania e direito de voto.


Com o 25 de Abril de 1974, a Constituição de 1976 e a revisão do Código Civil (1977) a desigualdade e a inferioridade legais foram ultrapassadas, porém, pese embora toda a legislação progressista aprovada, o quotidiano das mulheres ainda é marcado por desigualdades. Não que as leis não ajudem, só que não chegam para acabar com gritos de dor, violência, estereótipos e injustiças. É preciso muito mais para criar condições facilitadoras de mudança.

Mas falemos de ASSOCIATIVISMO, tema desta iniciativa. Pois o associativismo é fundamental para uma melhor organização das sociedades democráticas, uma vez que alia liberdade e igualdade.

Em Portugal no século passado o associativismo entre mulheres esteve muito ligado às questões sociais (paz e guerra; assistência à infância, idosos e desprotegidos) e pontualmente às questões gerais da condição feminina. Mas, à medida que a mulher se proletarizou e se instruiu a sua participação na vida social globalmente cresceu, foi criando diferentes nichos de interesse e intervenção, mas também passou a ser cada vez mais abrangente e transversal.

Ora esta evolução acompanha o tempo histórico e assume-se qualitativamente diferente de acordo com a estrutura e organização social, a geografia e a identidade dos povos e dos lugares. De facto, a vida humana, de mulheres e homens, não foge à dinâmica da divisão e organização do trabalho, está sujeita aos mecanismos, visíveis e invisíveis, da reprodução social das desigualdades, incluindo o género, de reconhecimento social e também é arena de poder (exercido e conquistado).

Hoje em Portugal há mais de 4 centenas de associações de mulheres (https://feminista.pt/organizacoes). Podemos dizer que há de tudo. Associações feministas, puras, e muitas e variadas associações cujo objeto é a condição feminina e cuja organização e direção conta com muitas mulheres. Alguns exemplos:

Associação Portuguesa de Mulheres Juristas Pelos Direitos Humanos das Mulheres

AMCDP Associação de Mulheres Cabo Verdianas na Diaspora em Portugal

APAV | Associação Portuguesa de Apoio à Vítima

Associação Mulher Migrante

MARP - Associação das Mulheres Agricultoras e Rurais Portuguesas

UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta

MDM - Movimento Democrático de Mulheres

AMEP – ASSOCIAÇÃO DAS MULHERES EMPRESÁRIAS EM PORTUGAL

Se falarmos de associativismo profissional não nos podemos deixar enganar pelo facto de termos hoje uma mulher na coordenação da maior confederação nacional de sindicatos. Muito ainda há a fazer, mesmo sabendo que entre as profissões nas áreas da educação e saúde o número de mulheres associadas, ativistas e dirigentes ser bastante significativo.


No vasto mundo do associativismo popular as mulheres também têm feito algum caminho, conquistando algum espaço num universo marcadamente masculino. Nas dezenas de milhar de coletividades por esse país fora temos muitas mulheres a exercerem um papel cada vez mais destacado quer enquanto filiadas, praticantes ou dirigentes.

Claro que a paridade está longe de estar alcançada e num país com uma democracia jovem e uma população envelhecida a divisão dos papéis entre homens e mulheres ainda é marcada por estereótipos sexistas, existindo a necessidade de compreender como as questões de género e de classe interferem e interagem com a condição da mulher dirigente associativa.

Promover a igualdade de género, valorizar o papel das mulheres no movimento associativo popular, destacando a sua participação cívica, o seu contributo para a sociedade, para as populações e as comunidades locais, é urgente e necessário.

É urgente e necessário superar contradições e mudar de políticas.

Superar contradições já que os que têm feito aprovar legislação laboral que contradiz o exercício da cidadania plena, de quem trabalha, são os mesmos que enaltecem as virtudes da paridade. Quando o Código do Trabalho regula de forma limitativa a assistência à família, quando o sindicalismo enfrenta dificuldades, quando aumenta o período experimental dos contratos e os horários de trabalho, quando se flexibilizam bancos de horas e se ganha mal não é expectável existirem condições para que as mulheres invistam, tempo e esforço, na participação cívica, no associativismo e na política.

Nos tempos que correm as mulheres trabalhadoras têm duplas e triplas jornadas de trabalho. Ser mulher, trabalhadora, cidadã ativa, dirigente associativa, sindicalista e militante de causas e projetos só serão realidades possíveis e significativas quando existirem grandes mudanças, designadamente: (i) emprego estável e com direitos; (ii) salários dignos; (iii) alteração de rotinas e papeis na vida familiar; (iv) acesso a serviços e mecanismos de apoio à conciliação entre a vida profissional, social, pessoal e familiar; (v) estímulos e apoios a uma cidadania de proximidade.

Mudar de política deixando de continuar a entender as questões de género somente como questões sociais ou de direitos. Urge integrar a perspetiva de género enquanto estratégia e fator essencial para o desenvolvimento económico em prol de uma melhor sociedade. São precisas outras políticas que tenham os direitos das mulheres como prioridade. Mas para isso, serão precisas muitas lutas que tragam ao nosso tempo histórico um tempo novo liberto de explorações e injustiças. Isso está nas nossas mãos, nas mãos das mulheres e dos homens portugueses.

Fundão, 16 de Março de 2022.

* Comemorações do Dia Internacional da Mulher, 16 de março de 2022, Sindicato dos Professores da Região Centro e Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, Conferência: “As Mulheres no Associativismo”, com Deolinda Nunes, Isabel Graça e Isaura Reis

bottom of page