Foram recentemente relatados nos órgãos de comunicação social alegados casos de abuso moral e também sexual na Universidade de Coimbra e na Universidade de Lisboa.
Perante os relatos e em linha com tomadas de posição anteriores referentes a situações análogas que colocavam em evidência a necessidade de as combater, a FENPROF não pode ficar indiferente.
Aliás, foi um dos sindicatos da FENPROF, tanto quanto é do nosso conhecimento, que, pela primeira vez, apoiou uma queixa de assédio moral na Universidade do Porto, tendo ganho em primeira instância, atualmente em fase de recurso por parte dos réus e da Universidade do Porto.
Importa refletir sobre esta situação que volta, por estes dias, a ter notoriedade. No entender da FENPROF as seguintes considerações devem ser tidas em conta:
A situação de abuso (qualquer que seja a sua natureza, moral ou sexual) corrói as Instituições de Ensino Superior (IES) de uma forma silenciosa, pouco visível e, com elevada probabilidade, de forma generalizada;
O ambiente socioinstitucional que propicia os abusos resulta, entre outros aspetos marcantes, da forma de gestão das IES: autocrática, não transparente, não participada e pouco democrática, corolário do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES);
A relação altamente hierarquizada que caracteriza a vivência quotidiana nas IES, nomeadamente na relação entre professores e estudantes, orientadores e orientandos, em geral, precarizados, entre as categorias docentes, sem transparência e sem prestação de contas, facilita a ocorrência destas situações de abuso;
Uma das formas de combater estes abusos passa pela existência de IES mais transparentes na sua vida quotidiana, mais participadas e mais democráticas, onde a precariedade seja a exceção e não a regra e onde seja possível detetar e atuar rapidamente sobre eventuais atropelos;
Não desmerecendo a existência de planos para a igualdade de género e códigos de conduta, práticas abusivas como as anteriormente referidas configuram a quebra das mais elementares regras de conduta civilizada, decente e respeitadora do outro;
Daqui decorre, portanto, que não será um plano ou um código de conduta, que nunca poderá, sequer, tipificar todas as situações de abuso, que irá resolver os problemas em apreço;
A existência de portais de denúncia que muitas IES construíram também não parece resolver, tendo em conta os escassos casos que se traduziram em ações eficazes de denúncia e combate dos abusos;
A ausência de resultados seria aliás expectável, a menos que as queixas sejam recebidas por pessoas independentes da IES e suas relações de poder, com capacidade para as averiguar autónoma e sigilosamente, sendo tal do conhecimento público;
Essa inoperância é ainda mais agravada quando os serviços jurídicos invocam obstáculos de natureza formal para efetivar uma ação disciplinar;
Ou seja, as IES disponibilizam portais de denúncia, mas, posteriormente, não conseguem agir disciplinarmente, sobretudo por falta de vontade em questionar os abusadores que, muitas vezes, são pessoas com posições hierárquicas de topo;
Quando chegam ao tribunal, as IES invocam a sua obrigação de recorrer da sentença condenatória, manifestando uma enorme falta de empatia e solidariedade para com as vítimas, assumindo uma visão institucional profundamente corporativa.
A FENPROF manifesta a solidariedade efetiva a todas as vítimas de abusos fornecendo acompanhamento jurídico aos trabalhadores representados pelos seus sindicatos. Cremos, contudo, que o problema reside, em decisiva medida, na atual forma de gestão, no mandarinato instituído nas IES, que, se não for posto em causa, não conseguirá pôr fim a estas situações.
Não tendo uma solução imediata, entendemos que é necessário colocar a questão em dois níveis: em primeiro lugar, num nível académico que permita uma atuação dos órgãos competentes para que se possa pôr fim a situações de abuso e, em segundo lugar, se necessário, na via judicial.
Assim, as denúncias de abuso deverão, desde logo, salvaguardar a vítima, garantindo-lhe as condições para a continuidade do seu trabalho em segurança, protegidas da violência, da vingança, da humilhação e do isolamento. Circunscrever este problema ao assédio sexual, como alguns atores com responsabilidades institucionais parecerem querer fazer, é meio caminho andado para “mudando alguma coisa para que quase tudo fique na mesma”.
Os episódios que têm sido noticiados, agora e no passado, revelam que IES centradas na prossecução obsessiva da excelência, traduzida em meros indicadores quantitativos, deixam de lado aquela que deveria ser a sua função primeira: formar cidadãos capazes de serem agentes transformadores da sociedade num sentido de respeito e desenvolvimento humano. E um primeiro passo, é justamente, desafiar as diversas comunidades académicas a discutirem estes e outros problemas que afetam as suas vidas. Só assim poderá ser encontrada uma solução que resulte da participação democrática dos membros da comunidade.
A FENPROF continuará, como é seu apanágio, a denunciar as situações de abuso e a defender as vítimas. Neste sentido, reitera que a defesa intransigente da democratização das IES é fundamental para que o combate às múltiplas expressões de abuso e assédio seja consequente.
17 de abril de 2023
O Secretariado Nacional da FENPROF
O Departamento do Ensino Superior e Investigação da FENPROF
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