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Encontro Nacional do 1.º Ciclo do Ensino Básico refletiu sobre o regime de docência

No passado dia 29 de outubro, a FENPROF juntou dirigentes e delegados sindicais (cerca de uma centena) para analisar os resultados preliminares de um questionário sobre a situação no setor e preparar a intervenção dos docentes. Catarina Gomes Oliveira e Celeste Duarte, dirigentes do SPRC tiveram a responsabilidade de abrir o debate sobre o regime de docência.


Regime de Docência Professores escolhem não trabalhar sozinhos


Catarina Gomes Oliveira e Celeste Duarte |Direção do SPRC


Que regime de docência realmente temos? À luz do mundo atual, que regime queremos? Que caminho queremos traçar para o futuro?


“— Tenho que me despachar. São 8h30 e entro às 9h. Amanhã, não. Só entro às 10h. Eles têm AEC primeiro. Não me dá jeito, é a melhor hora do dia. Mas, pronto, sempre é educação física e já fica isso despachado. Tenho lá tempo para saltos e cambalhotas! Com esta idade já nem os consigo fazer. Estou mais preocupada é com as frações. Tenho que conseguir fazer com que as entendam. Agora é português. Não me posso esquecer que às 10h chega a colega da Educação Especial para ajudar a Sofia. Às 11h é a terapia da fala do João. Às 14h chega a colega do inglês. Pode ser que ainda dê para dar uma vista de olhos no RTP do Tiago (tenho que me lembrar de chamar a mãe para o vir assinar) e corrigir qualquer coisa dos trabalhos de casa. Tenho que mandar os mapas do leite e da fruta. Já estão atrasados. Disseram que mandavam os cheques dentista mas ainda não chegaram. Não faz mal. Quando chegarem, trato disso. Enquanto o pau vai e vem…”


De certeza que todos vocês reconheceram, ou se reconheceram, nestes pensamentos. É este o dia-a-dia de um professor do 1º CEB, atualmente. Gerir programas, papéis, muitos papéis, e o trabalho de um grupo cada vez maior de professores e outros especialistas, de cujo trabalho o titular de turma tem que prestar contas como se fosse o seu.


O 1º ciclo está, hoje, muito diferente do que o que era na sua origem. As necessidades e, por consequência, as exigências também são muito diferentes. O número de profissionais necessários para dar uma resposta adequada a estas necessidades e exigências é já outro.

Então, afinal, que regime de docência realmente temos? À luz do mundo atual, que regime queremos? Que caminho queremos traçar para o futuro?


O 1º ciclo começa a sua história como ensino primário, ciclo único de estudos, com o objetivo de ensinar a ler, a escrever e a contar, com algumas noções sobre o meio social, e nada mais. Requeria poucos recursos humanos e materiais. Um docente, uma sala, mesas e cadeiras, uma lousa e pouco mais.


Mas o mundo evolui, tal como evoluem os conhecimentos, as necessidades e as ambições.

Em Portugal, nas últimas décadas, a evolução do Sistema Educativo veio reconfigurar o papel deste ciclo de ensino e, por consequência, o seu funcionamento. Com o alargamento da escolaridade obrigatória, o ensino primário passa a ciclo inicial do Ensino Básico, o 1º dos ciclos, e, assim, começa o fim do seu isolamento relativamente aos restantes níveis de ensino. A criação das EBI, a estruturação dos departamentos curriculares e, mais tarde, a constituição de agrupamentos verticais de escolas representaram tentativas, de pouco sucesso, de arranque de uma cultura de articulação e convivência do 1º ciclo do Ensino Básico com os restantes. Muitas foram as dificuldades, desde logo pela forma como estas medidas foram implementadas, que determinaram o seu falhanço mas ficou um primeiro contacto com a possibilidade de abertura da sala de aula da Escola Primária à ação de outros docentes.


A universalização da frequência da Educação Pré-escolar, definida na lei como primeira etapa da Educação Básica e cujas Orientações Curriculares passaram a prever o primeiro contacto e uso das letras, da leitura e do número, tem vindo a reconfigurar, novamente, o papel do 1º ciclo do Ensino Básico, que passa de ciclo inicial a ciclo intermédio da Educação Básica. A iniciação à vivência em meio escolar e às aprendizagens sociais elementares, e a abordagem às competências necessárias para a iniciação formal, mais tarde, à escrita, à leitura e ao cálculo passam a ser domínio do Pré-escolar, libertando o 1º ciclo para aprendizagens mais complexas que passam a incluir, além do português, matemática, estudo do meio, artes visuais, expressão dramática/teatro, dança, música e educação física; o inglês, a cidadania e desenvolvimento e as TIC, estas duas últimas como áreas transversais. A reorganização curricular, a implementação da inclusão de crianças com Necessidades Educativas Especiais nas salas de aula, a necessidade e a exigência de uma articulação vertical do currículo e a operacionalização do programa da “Escola a Tempo Inteiro”, colocando tantos docentes a desenvolver atividade na turma, vieram efetivar o desmantelamento, na prática, do regime de monodocência sem, no entanto, o assumir formalmente, o que acabou por anular o caráter de auxílio à ação pedagógica e educativa do Docente Titular de Turma resultando numa sobrecarga, excessiva e desnecessária.

A monodocência coadjuvada, regime que prevê o recurso a docentes com formação especializada em áreas específicas (principalmente nas línguas estrangeiras e nas expressões física e artística), é já uma realidade, neste nível de ensino, na maioria dos países europeus. Este regime constitui-se como uma evolução natural para dar resposta à progressiva complexidade do currículo. No entanto, o docente titular de turma continua a ser o único responsável pelo seu cumprimento. Na prática, é este o modelo que vigora no nosso país. Mas há já um conjunto, ainda restrito, de países (Dinamarca, Alemanha, Hungria, Islândia, Luxemburgo, Malta e Noruega), que deram o passo seguinte e assumiram o regime de Equipa Educativa, um regime semelhante à pluridocência mas sem o seu caráter de compartimentação de disciplinas e saberes.


Este regime, ao contrário da pluridocência pura, promove uma gestão integrada e integradora do saber, pois o trabalho é realizado por uma equipa de docentes, coordenada pelo docente titular de turma, mas onde todos os seus membros são corresponsáveis pelo desenvolvimento, cumprimento e avaliação de todas as áreas do currículo, garantindo, assim, o progresso e desenvolvimento integral do aluno, objetivo final deste ciclo de ensino. Este trabalho colaborativo, numa equipa que pode ir aumentando aos poucos ao longo do ciclo, permite quebrar o isolamento dos docentes do 1º ciclo e potencia o aprofundamento especializado dos conteúdos de todas as áreas curriculares, tornando mais ricas as aprendizagens. Revela-se, ainda, um eficaz mecanismo de suavização da transição para a pluridocência.


O estudo de opinião, realizado pela FENPROF nas semanas que antecederam este Encontro, revela que a maioria dos professores do 1º ciclo está disposta e disponível para refletir sobre o regime atual em que desenvolve a sua atividade e aponta para a necessidade de receber a colaboração de outros docentes para enriquecer as experiências de aprendizagem proporcionadas aos seus alunos.


Estamos, então, em condições de iniciar esta reflexão e apontar caminhos para um futuro mais propiciador de uma Escola mais feliz, mais inclusiva e mais respeitadora das necessidades e anseios de alunos e professores. | Intervenção realizada no Encontro Nacional do 1.º CEB, realizado pela FENPROF em 29.10.2021

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