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No arranque do novo ano letivo: entrevista a Mário Nogueira


A propósito de recentes declarações do ministro da Educação à comunicação social, Mário Nogueira afirma que “é preciso que os governantes deixem de falar para a opinião pública e passem a olhar para as reais necessidades das escolas” e reitera que “é tempo de ser tempo dos professores”.


Reafirma a disponibilidade da FENPROF para se sentar à mesa das negociações, mas sem condicionamentos, quer no que respeita aos assuntos a negociar, quer em relação à luta dos professores. Das diversas declarações do ministro, destacam-se quatro aspetos principais: a negociação com as organizações sindicais, as alterações ao regime de concursos, a situação dos professores em serviço nas Regiões Autónomas e a falta de professores nas escolas. Sobre esses temas e na sequência do que foi afirmado pelo governante, colocámos ao Secretário-Geral da FENPROF as seguintes questões:


- O ministro afirmou que não haverá recuperação do tempo de serviço congelado, que não haverá novo congelamento e que não negociará sob ameaça de greve. Como reages a estas afirmações?


Mário Nogueira (MN): Em 4 de agosto, a FENPROF propôs ao ministro a discussão e aprovação de um protocolo negocial, a concretizar ao longo da legislatura, mas já com alguma incidência no OE 2023, visando conferir atratividade à profissão docente e, assim, garantir a continuidade dos professores que estão no ativo, recuperar os que abandonaram a profissão e atrair os jovens para ela. Ainda não se iniciou a discussão e o ministro já pretende impor regras aos Sindicatos, tanto em relação ao que negoceia ou não negoceia, como às ações e lutas que estes decidam levar por diante com os professores. É um muito mau sinal o ministro pretender condicionar a ação dos sindicatos.


- A FENPROF sente-se condicionada?


MN: De forma alguma. Da parte da FENPROF fica claro que serão os professores e não os governantes a decidir os aspetos a incluir no conjunto das reivindicações, e a contagem integral do tempo de serviço é uma das principais, a par de outras, como a eliminação das vagas e a abolição das quotas, mas também será com os professores que se decidirão as formas de ação e de luta e não nos sentiremos condicionados por qualquer tipo de ameaça em relação ao desenvolvimento, ou não, de negociações. Compete ao governo e aos seus membros dar razões para que não seja necessário chegar à greve e a proposta de lei do Orçamento do Estado que aí vem demonstrará quais as suas intenções.


- E quanto a não haver novos congelamentos das carreiras?


MN: Bom, para além dessa não ser matéria da exclusiva competência do ME, mas do governo e das finanças em particular, parece que o ministro trata o congelamento das carreiras como correspondendo à normalidade e, por isso, promete algo de sensacional: mantê-las descongeladas. Enfim…


- Relativamente ao futuro regime de recrutamento, o ministro queixa-se de os sindicatos recusarem a contratação pelas escolas. Qual a razão ou razões para essa posição?


MN: São simples. Por um lado, não é por serem as escolas a escolher os professores que passamos a ter mais professores, o que poderemos ter é algumas a resolverem o seu problema à custa de outras que o verão agravar-se, uma vez que a manta é curta… depois, porque a experiência passada confirma que sempre que a contratação é feita localmente, pelas escolas, há um maior atraso na colocação dos professores. Quando tivemos as bolsas de contratação de escola as colocações atrasaram cerca de um mês, havendo quem fosse colocado em dezenas de escolas ou, depois de colocado, a optar por outra. O que deveria o ME permitir às escolas é que recorressem à reserva de recrutamento logo que precisassem, sem terem de passar pela burocracia e pelos tempos que a administração educativa impõe.


- Então por que insiste o ME na contratação pelas escolas?


MN: Por razões que todos compreendemos: maior dependência, maior submissão… as escolas não precisaram de escolher professores para formarem as gerações mais bem qualificadas de sempre, precisaram foi de recursos humanos devidamente qualificados, sobretudo professores. Quanto à autonomia de que tanto fala o ministro, ela seria importante para decidir o número de alunos por turma, os recursos humanos e outros, docentes e não docentes, o crédito de horas para dar resposta a todas as necessidades, mas disso o ministério não abre mão e nem quer falar do assunto. Quanto a autonomia teria sido importante o governo ter mantidos nas escolas decisões que, com o processo de municipalização lhes retirou, mas disso também não se fala. Portanto, é preciso que os governantes deixem de falar para a opinião pública e passem a olhar para as reais necessidades das escolas.


- Afirma o ministro que nas regiões autónomas os respetivos governos podem recuperar na íntegra o tempo de serviço dos professores porque só lhes pagam os salários sendo, depois, o Orçamento do Estado a pagar as pensões de aposentação. Que comentário te merece esta afirmação?


MN: Essa é uma afirmação muito pouco política na relação do governo da República com os das Regiões Autónomas e eu diria que quase insultuosa para os professores que ali exercem a sua atividade. Os professores que trabalham na Madeira e nos Açores descontam, como qualquer colega que exerce no continente, para a Caixa Geral de Aposentações e os seus descontos incidem sobre o salário que recebem, pelo que é natural, justo e nada tem de extraordinário que seja essa mesma Caixa Geral de Aposentações a pagar-lhes a pensão de acordo com os descontos que efetuou. Aliás, esses professores estão a contribuir mais para a sustentabilidade da CGA do que os que exercem no continente que, por ganharem menos, descontam menos. Essa é daquelas afirmações que já mereceu a justa contestação de diversos colegas que trabalham naquelas regiões, muitos deles continentais, mas que procuraram ali o reconhecimento que por cá não tinham e continuamos a não ter.


- Em relação à falta de professores nas escolas, o ministro continua a falar em 600 horários por preencher, é esse o número?


MN: Ontem, terça, 13 de setembro, ao final do dia tínhamos 1061 horários por preencher, dos quais 846 correspondiam a grupos de recrutamento e os restantes a técnicas especiais onde, como sabemos, também há que vá exercer funções docentes. Isto significa que se já houvesse aulas seriam acima de 60 000 os alunos sem todos os professores. Para a semana teremos a noção mais exata do que se passa, recordando eu que no ano passado foi entre 24 e 29 de setembro que se atingiu o pico da falta de professores.


- Mas o ministro também falou de cerca de 2000 baixas médicas, será esse o motivo da falta de professores?


MN: De forma alguma. O ano passado nesta altura, após a RR2, eram 1958 as baixas médicas, portanto, um número semelhante ao que temos agora. Um número que não surpreende, pois só corresponde a 1,6% do universo de professores e que continua a não surpreender se nos lembrarmos que cerca de 20% dos docentes já ultrapassou os 60 anos de idade e que o ME negou a quase 3000 professores com doenças incapacitantes devidamente comprovadas a aproximação à residência e/ou local de tratamento. Para além disso, recordo que os 280 professores que se aposentarão em outubro e os talvez 400, senão mais, dos dois meses seguintes estão com turmas atribuídas… mas vão sair.


- Então pode acontecer que a falta de professores se agrave?


MN: Infelizmente, sim. E continue a agravar nos próximos anos. Basta lembrarmos que o ano passado entraram 1100 jovens nos cursos para professores, mas aposentaram-se cerca de 1950 docentes e que este ano entraram, para já, 727, veremos quantos na segunda fase de acesso, mas aposentam-se acima dos 2200. Ainda, segundo investigadores da Nova SBE que apresentaram o seu trabalho no Conselho Nacional de Educação, os estudantes que estão a formar-se para serem professores não darão a resposta necessária até ao final da década, não indo além de 6% das necessidades, no caso da Físico-Química, e 34%, no caso da História e Geografia, ficando a Matemática pelos 17% ou o Português pelos 22%. Estes números são elucidativos da incompetência e da imprevidência dos governos nesta matéria.


- Solução?


MN: Valorizar a profissão, eliminando a precariedade, recompondo a carreira, tomando medidas de rejuvenescimento e limpando os abusos e ilegalidades que tornam os horários esmagadores, bem como melhorando as condições de trabalho nas escolas. É o que procuraremos que fique consagrado no protocolo negocial que iremos discutir com o ministro, sendo esses os objetivos de luta dos professores. De uma vez por todas, é indispensável que o governo compreenda que é tempo de ser tempo dos professores.

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