A história é conhecida de todos. Os grandes prestadores de serviços privados de saúde sempre recusaram negociar com a ADSE qualquer limite aos preços praticados, nomeadamente em matéria de próteses e cirurgias, mas não exclusivamente. Isso conduzia a situações em que, por exemplo, uma determinada cirurgia, nas mesmas condições, poderia custar 5.000 euros num grande hospital de um determinado grupo privado e 10.000 ou mais noutro hospital do mesmo grupo.
Tal até poderia acontecer no mesmo hospital, com beneficiários diferentes, se a equipa médica, por exemplo, fosse diferente. Perante isto, e perante a recusa de negociação de “preços fechados”, isto é, com um limite determinado para este tipo de intervenções, a ADSE alterou as convenções e instituiu as “regularizações” no início da segunda década deste século. Ou seja, os prestadores cobravam à ADSE como até aí, mas tinham mais tarde de regularizar as contas com a ADSE tendo como padrão, para simplificar, a média dos preços praticados pelo conjunto de todos os prestadores relativamente a determinado ato médico. A alteração das convenções foram aceites pela generalidade dos prestadores e chegaram a ser feitas algumas regularizações. Porém, a partir de 2015, com o sistema mais afinado pela ADSE e o volume de regularizações a aumentar, os grandes prestadores privados ameaçaram romper as convenções em 2019, como todos se recordam. Estavam em causa nessa altura mais de 74 milhões de euros. Sem desistir da recuperação dessas verbas (que o Tribunal de Contas validou) a ADSE informou os prestadores que iria iniciar um processo de revisão das tabelas que, colocando limites aos preços de determinados atos médicos, poderia, de futuro, evitar o recurso às regularizações. Desse modo, a ADSE suspendeu o processo de exigência do pagamento dos mais de 74 milhões de euros já calculados em termos de regularizações, e trabalhou, durante quase dois anos, numa revisão das tabelas do Regime Convencionado em estreito contacto com as maiores prestadores privados, que acompanharam todo o processo e sugeriram alternativas, muitas delas aceites pela ADSE.
Mentiras e um esquema de chantagem minuciosamente preparado
No dia em que as novas tabelas entraram em vigor (1 de setembro de 2021) os grandes prestadores (com a participação ativa do bastonário da ordem dos médicos) puseram em campo três coisas há muito trabalhadas e preparadas: uma enorme mentira sobre o desconhecimento das novas tabelas; um conjunto de tabelas alternativas destinadas quer a confundir os beneficiários da ADSE mais vulneráveis, quer a empurrar a grande maioria dos beneficiários para o regime livre; um processo sinistramente malicioso que tem em vista dar a entender aos beneficiários que disponibiliza determinados atos médicos no Regime Convencionado mas naturalmente só em hospitais e clínicas muito afastados do seu local habitual de atendimento. Não hesitaram em deixar de atender mulheres grávidas, de exigir de um dia para o outro centenas de euros para exames que de um dia para o outro retiraram do Regime Convencionado, sem aviso prévio, lançando a confusão entre os beneficiários da ADSE, principalmente os mais idosos.
A raiz do problema
As razões para esta subida de parada, em termos de chantagem contra a ADSE e os seus beneficiários por parte da grande hospitalização privada são, para além da ganancia, essencialmente três:
Os maiores prestadores privados, confiados no enfraquecimento do SNS pelas sucessivas políticas governativas, avançaram com grandes investimentos que agora dificilmente conseguem rentabilizar. A ADSE é indispensável para a estratégia de recuperação dos lucros destes prestadores, mas dada a gula e a pressa com que a querem fazer, não podem abdicar de um dia para o outro da sobrefaturação;
Com a entrada em vigor das novas tabelas aproxima-se o momento em que as regularizações precisam de ser pagas à ADSE (com os mais de 10 milhões de 2020 os números aproximam-se dos 85 milhões) e a voragem da polémica criada pelos grandes prestadores privados, pela direita e pela ordem dos médicos desvia disso as atenções;
Uma ADSE só com Regime Livre teria, para os grandes prestadores privados, pelo menos a curto/médio prazo, duas vantagens fundamentais: mais lucro através de preços sem controlo e a transformação da ADSE num seguro de saúde (insustentável a médio prazo) que manteria parte importante dos beneficiários mais idosos, que nenhum seguro de saúde privado, com um mínimo de racionalidade, utilidade conseguiriam O reverso da medalha seria a pressão sobre o SNS que uma parcela importante dos mais idosos iria provocar (por não terem condições financeiras para aguentar o Regime Livre) e a hemorragia dos beneficiários titulares mais jovens que, sem Regime Convencionado, abandonariam a ADSE deixando-a sem condições de sustentabilidade.
Convém ter presente que o paradigma da ADSE não tem nada a ver com um seguro de saúde. O copagamento das consultas é menos de um terço que aquele que se paga num seguro de saúde, sendo muito mais baixo nas cirurgias. As próteses e os medicamentos oncológicos são pagos a 100% pela ADSE. Ao contrário dos seguros de saúde, os familiares dos beneficiários até aos 26 anos não pagam nada para a ADSE, e se forem deficientes podem permanecer na ADSE, sem pagar nada, toda a vida. Os cônjuges sem rendimento e os titulares com salários ou pensões abaixo RMG também não pagam. Na ADSE não há plafonamentos como acontece com os seguros de saúde, entre muitas outras coisas. Sendo um sistema solidário é importante ter presente que quem, no meio desta chantagem da grande hospitalização privada, decidir que o melhor caminho é sair da ADSE fica depois impedido, para sempre, de voltar a entrar. O Regime Convencionado é o principal inimigo dos grandes prestadores e o melhor amigo dos beneficiários da ADSE!
Defender a ADSE é uma tarefa de todos os beneficiários
Todos nós, beneficiários da ADSE, podemos e devemos colaborar na luta contra esta ofensiva da grande hospitalização privada. Na prática, os prestadores privados anunciaram que desassociavam da Tabela do Regime Convencionado pouco mais de 1.000 códigos (num universo de mais de 33.000), mais de metade dos quais já não tinham associação efetiva. O seu objetivo é claro: manter os beneficiários na sua órbita na maioria das situações, “vender-lhes” uma tabela enganosa que os arrasta para o Regime Livre noutras, ao mesmo tempo que os angustia e lança contra a própria ADSE com sucessivas alterações do que é convencionado e não é, e com o local, normalmente distante do habitual, em que a convenção funciona.
Todas estas situações devem ser denunciadas através da ADSE Direta - ADSE - Reclamações | Portal da Queixa, para que o Conselho Diretivo possa atuar em caso de abuso. Nos casos mais graves deve ser apresentada queixa na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que entretanto já está a analisar várias.
Como nos outros sindicatos da FENPROF e da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública continuaremos a pautar a nossa atuação pela defesa da ADSE em todos os planos nos quais estamos empenhados. No CGS da ADSE, no esclarecimento da opinião pública e na luta sindical!
(a partir de trabalho publicado no site do SPGL)
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