top of page
Ensino superior

Publicado a

7 de abril de 2022

Desemprego científico: uma política com quatro séculos!

Precisamos, sim, de novos instrumentos. Precisamos de uma estratégia para a ciência, com os investigadores e pelos investigadores, de uma estratégia de estabilização e dignificação da profissão.


«Por vezes os limites estão connosco

e não nos instrumentos que nós temos à nossa disposição.» Elvira Fortunato


No passado dia 31 de março decorreu, na Universidade de Coimbra (UC), a terceira sessão das celebrações dos 25 anos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Com abertura da presidente da FCT, Helena Pereira, contando com a presença do reitor da UC, Amílcar Falcão, que também discursou, muitos eram os que aguardavam, quer na sala, quer remotamente, o discurso de encerramento da recém-empossada ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, que se fez acompanhar pelo seu secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Lopes Teixeira, neste que foi o seu primeiro ato oficial.


Helena Pereira fez a sua apresentação intitulada «Emprego científico: caracterização e evolução nos últimos 25 anos». Por entre os ilustres e coloridos gráficos pouco galvanizantes, recorrendo à história do cientista Robert Hooke (1735-1703) e seu difícil início de carreira, eis que a todos surpreendeu ao traçar um paralelo extraordinário com o percurso dos investigadores de hoje, proferindo até: «Hooke é o que eu considero o primeiro bolseiro de investigação que foi contratado, e foi contratado sem salário! [...] Este percurso é uma base, ou pode ser utilizado, para algumas considerações sobre a atividade científica. [...] Numa primeira fase de uma atividade científica em que as pessoas são, vendo bem, executante experimentais, há muitas vezes a dependência de um, ou de mais do que um, patrono. Ora bem, isto chama-nos a atenção para a necessidade de equacionar aspetos como seja a qualidade e a ética da orientação e nos aspetos todos de integridade científica que impeçam, por exemplo, aquilo que aconteceu com o Robert Hooke, que era da apropriação indevida do seu trabalho e das suas descobertas por outros.» E eu que já pensava que as bolsas eram, como dizia o até há dias ministro Manuel Heitor, a melhor garantia de liberdade de pensamento… Afinal, os investigadores no seu início de carreira não só não passam de meros executantes de um projeto que não é seu, como parece haver ainda apropriação indevida da sua atividade intelectual.


«É de salientar a triste evidência de que só se mantém nesta profissão quem pode, isto é, quem vem de um meio socioeconómico que lhe permita aguentar anos de precariedade e de incerteza, assim como a evidência de que, devido à precariedade e pressão para publicar resultados, e publicá-los rapidamente, para se conseguir uma nova bolsa ou um novo contrato, se está a contribuir para que não haja tanta novidade na ciência»

Entre gráficos, Helena Pereira mostra como o número de investigadores aumentou de 15 752 em 1999 para 53 174 em 2020, tendo também aumentado de 12,7% para 41,3%, em igual período, os investigadores em empresas. Evidentemente que é de louvar o aumento do número de investigadores em atividade, mas quantos investigadores que trabalham em empresas, enquanto pagos pela FCT, são de facto posteriormente contratados por essas empresas, ou outras, é um número nunca apresentado. Pôde ver-se também, embora não tenha sido chamada atenção para isso, como o arranque na subida do número de investigadores contratados só acontece em 2019, embora a lei que regulamentou essa contratação seja de 2016. Igualmente curioso é a FCT não contabilizar a existência de nenhuma bolsa de pós-doutoramento desde 2017, apenas porque não as atribui diretamente, mas as instituições e os projetos ainda as atribuem.


Cláudia Sarrico, do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES), apresentou alguns aspetos do relatório da OCDE de maio de 2021 sobre a precariedade na investigação na academia. É de salientar a triste evidência de que só se mantém nesta profissão quem pode, isto é, quem vem de um meio socioeconómico que lhe permita aguentar anos de precariedade e de incerteza, assim como a evidência de que, devido à precariedade e pressão para publicar resultados, e publicá-los rapidamente, para se conseguir uma nova bolsa ou um novo contrato, se está a contribuir para que não haja tanta novidade na ciência. Para todos os que afirmam que a estabilidade torna os investigadores menos produtivos, eis aqui a evidência do seu contrário.

Finalmente, após uma mesa-redonda onde com engenho e arte se conduziu a discussão para as maravilhas da carreira única (docência e investigação, uma outra variedade do teatro para o qual nos tentam há muito vender bilhete), eis que se chega ao encerramento. A nova ministra sobe ao palanque e, naquele que parece ter sido o discurso recorde de todos os primeiros atos oficiais de qualquer ministro — três minutos e quinze segundos — parabenizou a FCT, agradeceu aos presentes e despediu-se. No entanto, mesmo com tão poucas palavras, numa sessão dedicada ao tema «Emprego Científico e Carreiras Científicas», parece ter deixado já clara qual será a política a seguir no que toca à ciência, ao dizer: «Por vezes os limites estão connosco e não nos instrumentos que nós temos à nossa disposição.»


E não são precisos mais do que três minutos e quinze segundos para, então, antecipar aquilo que está em antevisão para esta legislatura. Não só o discurso já é aquele a que Manuel Heitor e seus antecessores nos habituaram, como, afinal de contas, os limites estão em nós e não na intransigência dos reitores em contratar investigadores, na falta de investimento público em ciência, no bloqueio à carreira de investigação ou sequer nos 8%-10% de taxas de aprovação nos concursos de estímulo ao emprego científico. Os limites estão em nós e não numa cultura de ciência a prazo, pronta a consumir, feita por um exército de mão-de-obra tão qualificada quanto precarizada, ao abrigo de um estatuto que não garante os mais básicos direitos laborais. Os limites estão em nós e não no roda e bota-fora preconizado há um ano por Elvira Fortunato quando dizia: «[...] nunca tivemos tantos investigadores em situação de alguma estabilidade como agora, mas a ciência é dinâmica, as equipas rodam, os cientistas entram e saem. Nunca podemos ficar com todos os alunos de doutoramento que se formam nos nossos laboratórios, eles têm de ser os nossos embaixadores junto das empresas e contribuir para a economia nacional e europeia.»


Mas nós já somos embaixadores e vencer limites é, precisamente, a nossa especialidade. Precisamos, sim, de novos instrumentos. Precisamos de uma estratégia para a ciência, com os investigadores e pelos investigadores, de uma estratégia de estabilização e dignificação da profissão. Em suma, precisamos de um ministério forte e corajoso capaz de ultrapassar os seus próprios limites.


*Nuno Peixinho é dirigente do SPRC e por essa via membro da coordenação regional do SPRC e coordenação nacional da FENPROF do Ensino Superior e Investigação. Este artigo foi publicado no dia 6 de abril em www.abrilabril.pt.

bottom of page